terça-feira, 6 de abril de 2010

O ZUMBI DENTRO DA MENTE



Até que ponto temos consciência de tudo que acontece? Foram Nietzsche e Freud que popularizaram a ideia de que o inconsciente é o maestro da mente, controlando nossas ações, inacessível ao próprio consciente. E por “inconsciente” refiro-me a qualquer atividade neuronal que não produza uma sensação, pensamento ou memória consciente.

Ao contrário de diversas explicações freudianas, cheias de subjetividades e interpretações, a ciência já demonstrou por meio de sólidas evidências a existência de um sistema sensório-motor no cérebro dos primatas que funciona na ausência completa de consciência.

Por exemplo, muitas das ações cotidianas comandadas pelo cérebro não carecem de um controle consciente, entram no automático. Nessas situações, nos portamos como “zumbis”: executamos determinadas ações sem real consciência do que estamos fazendo. No entanto, essa consciência pode existir em retrospecto, quando ativamente pensamos na ação que acabamos de executar.



Imagine-se numa sala completamente escura, mas com uma única fonte de luz. Você é instruído para olhar e apontar o dedo na direção da luz. De repente a luz apaga e uma nova luz surge na sua visão periférica. Você automaticamente se direciona para o foco de luz e aponta o dedo naquela direção. Mas, enquanto você está se direcionando para o novo alvo, a posição inicial desse novo foco de luz se desloca propositadamente um pouco para o lado. Você não tem consciência, mas tanto os seus olhos como o seu dedo se ajustam à nova posição, atingindo exatamente o alvo. Só lhe resta a consciência que seu corpo se alterou na direção do novo flash de luz, mas ignora completamente esse precioso ajuste fino executado pelo seu cérebro.

Inconsciência semelhante acontece quando ajustamos as forças dos dedos e mãos ao inclinarmos para pegar algo. Experimentos rigorosos já mostraram que evitamos inconscientemente imagens de cobras e aranhas com formatos horripilantes. Esses são exemplos de situações experimentais nos quais se pode comprovar a presença do inconsciente na mente humana.

Na esfera clínica, existem alguns pacientes com deficiências neurológicas muito seletivas. Basta uma leitura de alguns casos descritos por Oliver Sacks para uma amostra de quão bizarra é a mente humana. Num dos casos, o paciente D.F. não consegue visualizar o formato de determinados objetos. Ao pedir que alcance um objeto, como uma flor ou um martelo, ele consegue ajustar a distancia e a força dos dedos de acordo, mas nega a existência dos objetos. O que instrui a mão a alcançar os objetos, então?



Casos formidáveis de atividade “zumbi” foram retratados em pacientes com epilepsias parciais complexas ou em sonâmbulos, como Lady Macbeth do clássico shakespeariano. Ambos envolvem atividades motoras estereotipadas, como andar pela casa, arrastar os moveis ou mesmo dirigir sem consciência alguma. Esse comportamento automático segue um programa interno que pode ser influenciado pelo ambiente, por exemplo, ao desviar de um obstáculo. Tanto o epilético como o sonâmbulo não seguem instruções de terceiros e não se lembram de nada após o episódio.

A explicação mais simples para esses fenômenos é que, ao mesmo tempo em que a consciência foi bloqueada pela epilepsia ou pelo sono profundo no caso dos sonâmbulos, parte do lobo frontal do cérebro se mantém ativo, permitindo certa “reflexão” senso-motora.

Esse tipo de reflexão cerebral é independente do processo consciente. Evidências baseadas em pesquisas psico-físicas sugerem que esse estado é muito rápido e não apresenta qualquer esforço. Interessante notar que isso também é verdade em diversas atividades senso-motoras realizadas por humanos, como a dança, a prática do arco e a escalada. O domínio dessas artes requer a rendição do controle mental, permitindo o total domínio do corpo.



Resumindo, a mente “zumbi” apresenta as seguinte características: é estereotípica, imediata com ação rápida e possui um comportamento senso-motor limitado. A existência desse estado estimula algumas questões interessantes. Primeiro, por que não somos todos “zumbis”, vivendo de forma inconsciente? Ou seja, por que ser consciente, um processo que leva centenas de milissegundos para acontecer? Ora, pode ser que a existência do processo consciente permita o planejamento futuro, abrindo infinitas possibilidades de comportamento e possibilitando memórias explícitas.

Segundo, qual a diferença entre as redes neurais “zumbis” e aquelas que são específicas para processos de percepção consciente? Estariam essas redes utilizando diferentes neurônios de uma mesma região do cérebro ou corresponderiam a tipos específicos de neurônios com atividades específicas?

O mais fascinante disso tudo é pensar se poderíamos recapitular a mente zumbi de alguma forma. Será que existe uma mutação num único gene que seria capaz de tornar um ser consciente em um zumbi? E se esse for o caso, que tipo de testes poderiam ser feitos para mostrar que estão realmente inconscientes? E quem garante que não existam zumbis entre nós?

Desmembrar as redes neuronais responsáveis pela consciência em humanos e outros animais deverá iluminar o mistério de como a atividade cerebral em circuitos específicos originam estados subjetivos. Interessante notar que esse tipo de assunto era restrito a filósofos e teólogos, mas agora faz parte das grandes questões da biologia experimental.

Extraido de: http://colunas.g1.com.br/espiral/ "Alysson Muotri"
Diagramação: http:www.blogdomarcossoares.blogspot.com "Marcos Soares"

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